MITO
“As Nações Unidas dividiram a Palestina de maneira injusta”.
FATO
Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, as informações sobre a verdadeira dimensão do Holocausto chegaram ao conhecimento da opinião pública mundial. Ganharam força as pressões para que os sobreviventes dos campos de concentração pudessem encontrar um refúgio em sua própria pátria.
Os britânicos tentaram levar adiante um acordo aceitável para árabes e judeus, mas a insistência em obter a aprovação dos árabes foi em vão, pois esses não fariam qualquer concessão. O assunto foi, então, transferido para o âmbito das Nações Unidas, em fevereiro de 1947.
A ONU nomeou uma Comissão Especial para a Palestina (Unscop – United Nations Special Comission on Palestine) a fim de encontrar uma saída para o impasse. Delegados de 11 nações1 foram à Palestina e descobriram o que há muito já era visível: as aspirações nacionais conflitantes de judeus e árabes não poderiam ser conciliadas.
As atitudes contrastantes entre os dois grupos “não poderiam deixar de dar a impressão de que os judeus estavam esclarecidos juridicamente e preparados para apresentar o seu caso diante de qualquer tribunal imparcial, enquanto os árabes não se sentiam seguros da justiça da sua causa ou temiam submeter-se ao julgamento das nações”.2
A maioria dos integrantes da comissão reconheceu a necessidade de se obter um consenso, mas não vislumbrou uma solução de compromisso por falta de entendimento entre as partes. Em reunião com um grupo de árabes em Beirute, o representante da então Tchecoslováquia na comissão foi franco: “Tenho ouvido suas queixas e me parece que, do ponto de vista dos senhores, o acordo é: ´Queremos que todas as nossas reclamações sejam plenamente atendidas. E as dos outros, na medida do possível’”.3
Ao regressar, os delegados de sete nações – Canadá, Tchecoslováquia, Guatemala, Holanda, Peru, Suécia e Uruguai – recomendaram a criação de dois países separados, um judeu e um árabe, economicamente unidos, tendo Jerusalém como um enclave internacionalizado. Três nações – Índia, Irã e Iugoslávia – recomendaram o Estado unitário com uma província árabe e outra judaica. A Austrália se absteve.
Os judeus da Palestina estavam insatisfeitos com o pequeno território que lhes fora destinado pela comissão e descontentes por Jerusalém ter sido cortada do Estado judeu; no entanto, aceitaram o acordo. Os árabes rejeitaram as recomendações da comissão.
O comitê ad hoc da Assembléia Geral da ONU rejeitou a exigência de um Estado árabe unitário. Em seguida, a recomendação pela partilha foi adotada por 33 votos a favor, 13 contra e dez abstenções, em 29 de novembro de 1947.4
MITO
“O plano da partilha entregou aos judeus a maior parte da terra e toda a área cultivável”.
FATO
O plano da partilha lembrou um tabuleiro de xadrez, em boa parte porque as cidades e povoados judaicos estavam espalhados por toda a Palestina. Isso não complicou tanto o plano quanto o fato de o alto padrão de vida desses lugares ter atraído grande quantidade de árabes. Isso significava
que qualquer partilha resultaria num Estado judeu com uma população árabe substancial. Ao reconhecer a necessidade de permitir assentamentos judaicos adicionais, a proposta vencedora concedeu terra aos judeus na Galiléia (norte do país) e no grande e árido deserto do Neguev (sul). O Estado árabe ocuparia o território restante.
Essas fronteiras se baseavam apenas na demografia. Os limites do Estado judeu foram estabelecidos sem levar em consideração a segurança: portanto, as fronteiras do novo Estado eram virtualmente indefensáveis. Acima de tudo, o Estado judeu abrangeria por volta de 5.500 acres para uma população de 538 mil judeus e 397 mil árabes. O Estado árabe teria 4.500 acres para uma população de 804 mil árabes e dez mil judeus.5 Embora os judeus ocupassem uma área maior, a maior parte das terras ficava no deserto.
A situação viria a se complicar ainda mais com a insistência da maioria das Nações Unidas para que Jerusalém fosse isolada e administrada como uma zona internacional. Esse arranjo deixaria mais de cem mil judeus de Jerusalém distantes de seu país e cercados pelo Estado Árabe.
“É duro ver como o mundo árabe, e mais ainda os árabes da Palestina, irá sofrer com aquilo que é o simples reconhecimento de um fato consumado – a presença de uma comunidade judaica compacta, bem organizada e virtualmente autônoma na Palestina”.
– Editorial do London Times Times6
Os críticos sustentam que as Nações Unidas entregaram terra fértil aos judeus enquanto os árabes receberam terra árida e montanhosa. Isso não é verdade. Aproximadamente 60% do Estado judeu estariam no árido deserto do Neguev. A população árabe estava espalhada por todo o Estado judeu e ocupava a maior parte das terras cultiváveis.7
Segundo estatísticas britânicas, mais de 70% das terras que viriam a se tornar Israel não pertenciam a camponeses árabes, mas ao governo do Mandato. Essas terras passaram ao controle israelense com a saída dos ingleses. Algo em torno de 9% da terra era de propriedade de judeus e cerca de 3% de árabes que se tornaram cidadãos de Israel. Isso significa que aproximadamente 18% pertenciam aos árabes que deixaram o país antes e depois da invasão de Israel.8
MITO
“Israel usurpou toda a Palestina em 1948”.
FATO
Em 1922, os ingleses criaram a Transjordânia usando 80% do que fora território histórico da Palestina e o Lar Nacional Judaico (assim definido pela Liga das Nações). O assentamento judaico na Transjordânia foi proibido. As Nações Unidas dividiram os 20% restantes da Palestina em dois países. Com a anexação da Cisjordânia pela Jordânia, em 1950, e o controle de Gaza pelo Egito, os árabes passaram a controlar mais de 80% do território do Mandato, enquanto o Estado judeu manteve apenas 17,5%.9
MITO
“Jamais foi oferecido um país aos árabes palestinos e, portanto, foi-lhes negado o direito à autodeterminação”.
FATO
A Comissão Peel concluiu em 1937 que a única solução lógica para resolver as aspirações contraditórias de judeus e árabes era a partilha da Palestina em dois Estados, um judeu e outro árabe, separados. Os árabes rejeitaram o plano porque isso os obrigava a aceitar a criação de um Estado Judeu, onde alguns palestinos viveriam sob a “dominação judaica”. Os sionistas se opuseram às fronteiras do Plano Peel porque seriam confinados a um gueto de 4.921 quilômetros quadrados do total de 26.703 km2 restantes da Palestina. Apesar disso, concordaram em negociar com os britânicos, enquanto os árabes se recusaram a considerar qualquer tipo de acordo.
Novamente, em 1939, o Livro Branco britânico pedia a criação de um Estado árabe na Palestina em dez anos e a limitação da imigração judaica a não mais do que 75 mil pessoas nos cinco anos seguintes. Após esse período, ninguém mais poderia entrar sem o consentimento da população árabe. Apesar da imposição desse limite e de ter sido oferecida a independência – a meta dos nacionalistas árabes – eles repudiaram o Livro Branco.
Com a partilha, foi entregue aos palestinos um Estado e a oportunidade de autodeterminação. Isso também foi rejeitado.
MITO
“A maioria da população da Palestina era árabe; portanto, deveria ter sido criado um Estado árabe unitário”.
FATO
Em 1947, quando foi decidida a partilha, os árabes eram maioria na Palestina ocidental – 1,2 milhão de árabes contra 600 mil judeus.10 Os judeus nunca tiveram a oportunidade de ser maioria no país, diante da política britânica de restrição à imigração. Já os árabes eram livres para entrar na Palestina – e milhares o fizeram – e aproveitar-se do rápido desenvolvimento estimulado pelo assentamento sionista. Não obstante, os judeus eram maioria na área que lhes fora destinada e em Jerusalém.
Além dos 600 mil judeus, 350 mil árabes residiriam no Estado judeu criado pela partilha. Aproximadamente 92 mil árabes viviam em Tiberíades, Safed, Haifa e Bet Shean e 40 mil eram beduínos, em sua maioria vivendo no deserto.
Antes do Mandato, em 1922, a população árabe palestina estava diminuindo. Depois, os árabes passaram a vir de todos os países ao redor. Além disso, a população árabe crescia exponencialmente na medida em que os colonos judeus melhoravam a qualidade das condições sanitárias na Palestina.
A divisão da Palestina não foi determinada apenas por fatores demográficos; chegou-se à conclusão de que as reivindicações territoriais dos judeus e dos árabes eram inconciliáveis e que o acordo mais lógico era a criação de dois Estados. Ironicamente, no mesmo ano de 1947, os membros árabes das Nações Unidas apoiaram a partilha do subcontinente indiano e a criação de um Estado, o Paquistão, predominantemente muçulmano.
MITO
“Os árabes estavam dispostos a um acordo para evitar o derramamento de sangue”.
FATO
Com a proximidade da votação da partilha, ficou claro que havia pouca esperança de solução para um problema que transcendia a política: a falta de interesse dos árabes em aceitar um Estado judeu na Palestina e a recusa dos sionistas a aceitar menos do que isso. A inflexibilidade dos árabes ficou evidente quando os representantes da Agência Judaica, David Horowitz e
Abba Eban, fizeram um último esforço para alcançar o acordo num encontro com o secretário da Liga Árabe,10a Azzam Pasha, em 16 de setembro de 1947.
Pasha lhes disse bruscamente:
“O mundo árabe não está disposto a um acordo. É provável, senhor Horowitz, que o seu plano seja racional e lógico, mas o destino das nações não é decidido pela lógica racional. Nações
jamais concedem; elas lutam. Vocês nada conseguirão por meios pacíficos ou acordos. Vocês talvez consigam algo, mas somente pela força das suas armas. Tentaremos derrotá-los. Não estou certo de que seremos bem-sucedidos, mas tentaremos. Fomos capazes de expulsar os cruzados, mas, por outro lado, perdemos a Espanha e a Pérsia. Pode ser que percamos a Palestina. No entanto, é tarde demais para soluções pacíficas”.11
MITO
“A União Soviética se opôs vigorosamente à partilha”.
FATO
Depois que os britânicos decidiram levar o tema palestino para as Nações Unidas, o assessor para a Palestina do ministro para Assuntos Exteriores, Ernest Bevin, perguntou a um representante da Agência Judaica por que os judeus deixaram que as Nações Unidas decidissem a questão da Palestina. “Você não sabe que a única maneira de se estabelecer um Estado judeu é se houver a concordância de Estados Unidos e União Soviética? 11a Isso jamais aconteceu. Pode ser que não ocorra. Isso nunca vai acontecer”.
Contudo, em maio de 1947, o delegado soviético na ONU, Andrei Gromyko,11b afirmou: “O fato de nenhum país europeu ocidental ter sido capaz de garantir a defesa dos direitos elementares do povo judeu e salvaguardá-lo da violência dos executores fascistas explica as aspirações dos judeus de estabelecer o seu próprio Estado. Seria injusto não levar isto em consideração e negar o direito do povo judeu de concretizar sua aspiração”.12
Alguns meses depois, a União Soviética apoiou a partilha e, em seguida, tornou-se a segunda nação a reconhecer Israel.
Notas
1 Austrália, Canadá, Guatemala, Índia, Irã, Holanda, Peru, Suécia, Tchecoslováquia, Uruguai e Iugoslávia.
2 Aharon Cohen. Israel and the Arab World. Boston: Beacon Press, 1976, pág. 369-370.
3 Cohen, pág. 212.
4 Votaram a favor da partilha: África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Canadá, Costa Rica, Dinamarca, EUA, Equador, Filipinas, França, Guatemala, Haiti, Holanda, Islândia, Libéria, Luxemburgo, Nicarágua, Noruega, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, República Dominicana, República Socialista Soviética da Bielo-Rússia, República Socialista Soviética da Ucrânia, Suécia, Tcheco- Eslováquia, URSS, Uruguai e Venezuela. Votaram contra a partilha: Afeganistão, Arábia Saudita, Cuba, Egito, Grécia, Iêmen, Índia, Irã, Iraque, Líbano, Paquistão,
Síria e Turquia. Abstiveram-se: Argentina, Chile, China, Colômbia, El Salvador, Etiópia, Grã-Bretanha, Honduras, Iugoslávia e México. Yearbook of the United Nations, 1947-48. New York: United Nations, 1949, pág. 246-47.
5 Howard Sachar. A History of Israel: From the Rise of Sionism to Our Time. New York: Alfred A. Knopf, 1998, pág. 292.
6 London Times (1 de dezembro de 1947).
7 Cohen, pág. 238.
8 Moshe Aumann. Land Ownership in Palestine, 1880-1948, em Michael Curtis et al. The Palestinians. New Jersey: Transaction Books, 1975, pág.29, ao citar a pág. 257 de Government of Palestine, Survey of Palestine.
9 Palestina Histórica, abrangendo a atual Jordânia (92.307 km2), Israel (20.769 km2), Gaza (360 km2) e Cisjordânia (5.861 km2).
10 Arieh Avneri. The Calim of Dispossession. New Jersey: Transaction Books, 1984, pág. 252.
10a Liga Árabe. Criada no Egito em 1945. Formada por Arábia Saudita, Argélia, Autoridade Nacional Palestina, Bahrein, Djibuti, Egito, Emirados Árabes, Iêmen, Ilhas Comores, Iraque, Jordânia, Kuait, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã, Qatar, Síria, Somália, Sudão e Tunísia. Cada membro tem direito a um voto e as decisões aprovadas por maioria são adotadas apenas pelos países que as aceitaram. Reúnem-se duas vezes por ano, em março e setembro, mas pode haver sessões extraordinárias, por necessidade de algum membro ou solicitação de uma cúpula. Tem um secretário-geral, nomeado por uma maioria de dois terços. Sua função é tratar dos assuntos financeiros e administrativos, mas a secretaria-geral está dividida em 14
departamentos, que tratam de questões políticas, econômicas, sociais e legais.
11 David Horowitz. State in the Making. New York: Alfred A. Knopf, 1953, pág. 233.
11a União Soviética, ou União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Nascida com a Revolução de 1917, reuniu Rússia, Ucrânia, Geórgia e outros países. Difundiu o comunismo pelo mundo e travou com os Estados Unidos a chamada Guerra Fria, o embate entre o comunismo e o capitalismo. Foi extinta em 1985.
11b Andrei Gromyko (1909-1989). Delegado na Organização das Nações Unidas, embaixador nos Estados Unidos, ministro das Relações Exteriores e presidente da União Soviética.
12 Assembléia Geral das Nações Unidas, Primeira Sessão Especial, 14 de maio de 1947, Documento A/PV 77 das Nações Unidas.
segunda-feira, 30 de julho de 2007
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Um comentário:
Legal o post sobre o assunto, super detalhado,mas falta a versão superficial, resumo prático do fato ;)
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