Pedro Werneck Mais um mito comum sempre repetido de maneira até aleatória por críticos de Israel, cada hora com um número. Alguns dizem 10%, outros 7%, outros chegando a números até mais precisos como 6.8%, sabe-se lá como.
A fonte primária dessa afirmação costuma ser o documento oficial feito pelo Mandato Britânico antes do Plano de Partilha, o "A Survey of Palestine", preparado para o UNSCOP, o Comitê das Nações Unidas para a Palestina em 1946.
Essa afirmação na verdade não tem nada de falso em si, pois de fato os judeus possuíam cerca de 10% das terras, e de fato o estado judeu teria uma área maior no plano de partilha. O mito na verdade está na conclusão direta feita por muitos a partir da afirmação, que se os judeus possuíam 10% das terras, então os árabes possuíam 90%!
Nenhum lugar do relatório tem esses números explicitamente. Geralmente eles são calculados arbitrariamente, a partir de informações de tabelas e trechos detalhando posse de terras ou assuntos relacionados, com os autores muitas vezes distorcendo claramente algumas informações, talvez por ignorância, talvez por má-fé.
A parte mais citada, talvez por apresentar os números de forma aparentemente clara e explicitar a frase "Ownership of Land in Palestine", é a tabela 2 encontrada na
página 566 do volume II.
Citar essa página fora de contexto é algo passável como ignorância da parte de alguém que não leu o relatório e apenas buscou nele informações para buscar contra Israel. Essas tabelas encontradas nessa parte do relatório, Seção 5, capítulo XIV, referem-se à uma estimativa da propriedade do capital na área do mandato para fins fiscais, e na
página 563, que introduz a seção, é explicitado que o propósito foi exatamente avaliar a posse dos judeus, e isso só era possível quando todas as outras categorias eram colocadas em separado!
É possível refutar esses dados apenas usando das informações nas tabelas. A tabela 2 atribui 1,514 km² aos judeus, e 24,670 km² à "árabes e outros", mas não discrimina os detalhes dessa categoria e quem são esses "outros". A tabela já explicita que a maior parte dessa categoria, 16,925 km², é composta de terras não cultiváveis, que alguém lendo honestamente o relatório desde o início já saberia que eram terras sem-dono ou controladas pelo governo. Enfim, essa categoria "outros" inclui todas as terras que não pertenciam aos judeus, não necessariamente que pertenciam à árabes como é interpretado. Simplesmente não existem números precisos sobre a propriedade de terras por árabes, mas podemos estimá-los usando outros dados.Uma omissão obviamente maliciosa de quem cita essa tabela, é que
logo abaixo na mesma página 566, vê-se os valores de impostos cobrados sobre essas terras, o que é um bom indicador da posse por proprietários particulares árabes e judeus. Logo adiante na página 570 que descreve a política fiscal, fica claro que não havia distinção entre árabes e judeus. Se os judeus possuíam 1,514 km² e pagavam 448,000 £ em impostos sobre suas terras, como os árabes pagavam apenas 351,000 £ se alegam que possuíam 24,670 km²?Não há como sair dessa redução ao absurdo a não ser a conclusão de que as terras que eram de fato propriedade dos árabes eram uma pequena parte da categoria "árabes e outros". Alguém pode alegar que os árabes simplesmente sonegavam, mas isso leva a outro problema que veremos logo adiante e leva à mesma conclusão.
Essa argumentação acima baseia-se apenas na tabela da
página 566, para expôr a má-fé de quem cita esses dados e convenientemente omitiu as informações sobre os impostos. O relatório tem seções bem mais detalhadas sobre a posse de terras que deixam tudo claro e expõe o mito.
O capítulo VIII, que começa na
página 225 do volume I, trata das terras da Palestina. A propriedade de terras ainda era sujeita a leis derivadas da legislação Otomana, descritas em detalhes na seção 1 do capítulo. Essa legislação classificava as leis em várias categorias, e uma estrutura lógica seguiria duas categorias com várias subdivisões,
Mulk, propriedade privada, e
Miri, propriedade estatal.
As terras dentro da primeira categoria,
Mulk, podem ser divididas em duas subcategorias. A primeira são as terras em que há propriedade livre, de direito, com o proprietário podendo fazer o que quiser sem qualquer obrigação legal em cultivá-las ou usá-las para qualquer fim. Geralmente eram terras compradas do Estado ou já nessa categoria há várias gerações de herdeiros. A segunda inclui as terras que originalmente faziam parte da primeira subcategoria e que foram doadas para fins religiosos.
A segunda categoria,
Miri, é a mais complicada, com várias subcategorias. Essas terras podiam ser simplesmente vagas, que não foram alocadas pelo Estado a ninguém; podiam ser terras alocadas para fins comunitários; para fins religiosos; e podiam ser terras desérticas sem qualquer interesse para cultivo a não ser com um grande investimento.
A subcategoria mais importante era a das terras que eram cedidas pelo Estado a algum indivíduo ou grupo de interesse privado, como uma forma de subvenção. O usufruto dessas terras era condicionado ao pagamento de impostos ou parte da produção anual, exceto no caso de terras originalmente desérticas e então cultivadas sem investimento do governo, que eram isentas.
Exceto por terras em áreas urbanas e residenciais, quase todas as terras árabes da Palestina faziam parte dessa subcategoria. O grande problema é que na maioria os contratos eram muitos antigos, da época do governo Otomano, e para muitos não havia qualquer documentação existente comprovando o acordo e disputas eram relativamente comuns. Em 1920 o governo do Mandato Britânico iniciou o registro e solução das disputas envolvendo terras nessas condições, e em 1928 adotou um sistema mais eficiente para tal.
Na página 255 começa uma descrição mais precisa das terras públicas, e aí entendemos como a maior parte daquele "outros" era na verdade o Estado. Primeiro, aqui eliminamos o possível argumento de que os árabes apenas sonegavam, por isso pagavam menos impostos: o pagamento de impostos e taxas de registro caracterizava o "aluguel" dessas terras, portanto quem não pagava nem tinha o direito de estar ali.
Na
página 257 há alguns números oficiais emitidos em 1937, que apesar de ainda não definitivos esclarecem a situação. Dentre os 26,320 km² de área, 12,577 km² correspondiam ao Negev, toda a área desértica ao sul de Beersheba, e considerou-se que talvez surgissem reivindicações para cerca de 2,000 km² que fossem cultivados ocasionalmente. Dos 13,743 km² restantes, cerca de 3,000 km² compreendiam as regiões montanhosas ao leste de Hebron, Jerusalem e Nablus, a maior parte propriedade do Estado.
Dos cerca de 10,743 km² restantes, o relatório comprovou através de dados sobre a coleta de impostos, que cerca de 7,000 km² eram cultivados e podia-se assumir alguma forma de propriedade ou subvenção dentre uma das categorias mencionadas acima, e já sabemos que os judeus pagavam mais impostos sobre terras do que os árabes. Apenas cerca de 4,500 km² tiveram sua propriedade confirmada, e destes, 660 km² eram propriedade pública, como áreas desérticas, reservas ou florestas.
Concluímos então que se considerarmos como critério apenas a propriedade particular comprovada, de todos os 26,320 km² da área da Palestina sob o Mandato Britânico, apenas 3,840 km² atendiam às exigências legais, sendo 1,514 km² de judeus e 2,326 km² de árabes, os judeus eram donos de apenas 5,7%, e os árabes de apenas 8,8%.Se considerarmos as áreas que geravam arrecadação de impostos, ou seja, aquelas sobre as quais podia-se fazer alguma reivindicação de propriedade, são cerca de 5869 km², 22% da área total da Palestina, sobre os quais os judeus pagavam cerca de 61% dos impostos.Concluímos então que os árabes certamente possuíam, comprovadamente ou não, uma quantidade de terras maior, mas não como a afirmação do mito aqui sugere, que todas as terras que não pertenciam a judeus pertenciam a árabes. No plano de partilha, tanto o estado árabe quanto o judeu seriam na maior parte formados por terras públicas, tendo o estado judeu ficado com uma parcela um pouco maior, 56%, por terem sido usados critérios demográficos e ser necessário encaixar todas as principais cidades judaicas dentro das fronteiras.
Na prática mostrou ser um plano justo, já que os judeus não só pagavam mais impostos do que isso e realizavam muito mais investimentos, como também o estado judeu receberia uma parcela da população árabe, ao passo de que apenas um mínimo de judeus seriam aceitos no estado árabe.