segunda-feira, 9 de abril de 2012

A "Declaração de Beirute" é um plano de paz viável?



Em 2002 a Liga Árabe surpreendeu muitos ao apresentar a Israel um plano de paz discutido na sua reunião de cúpula em Beirute. A proposta, uma iniciativa vinda do então príncipe Abdullah da Arábia Saudita, teve aprovação unânime dos 10 membros presentes, dentre os 22 membros da liga.

Ela consiste basicamente na interpretação árabe da resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, ou seja, o retorno de Israel para as fronteiras de 4 de junho de 1967, a criação de um estado palestino com capital em Jerusalém, e uma solução para o problema dos refugiados baseado na resolução 194 da Assembléia Geral da ONU. Em troca disso Israel teria o reconhecimento de todos os países da Liga Árabe.

A proposta teve apoio dos EUA e UE e repercutiu bastante ao redor do mundo, mas teve pouca ou nenhuma reação séria do governo israelense. Em 2007 ela foi repetida sem alterações e desta vez com o apoio de todos os países da Liga Árabe com exceção da Líbia. Vale notar que o Hamas absteve-se da votação, apesar da Autoridade Palestina ter se manifestado a favor.

"The Council of the League of Arab States at the summit level, at its 14th ordinary session:

Beirut Declaration

REAFFIRMING the resolution taken in June 1996 at the Cairo extraordinary Arab summit that a just and comprehensive peace in the Middle East is the strategic option of the Arab countries, to be achieved in accordance with international legality, and which would require a comparable commitment on the part of the Israeli government.

HAVING LISTENED to the statement made by His Royal Highness Prince Abdullah bin Abdul Aziz, the crown prince of the Kingdom of Saudi Arabia, in which his highness presented his initiative, calling for full Israeli withdrawal from all the Arab territories occupied since June 1967, in implementation of Security Council Resolutions 242 and 338, reaffirmed by the Madrid Conference of 1991 and the land-for-peace principle, and Israel's acceptance of an independent Palestinian state, with East Jerusalem as its capital, in return for the establishment of normal relations in the context of a comprehensive peace with Israel.

EMANATING FROM the conviction of the Arab countries that a military solution to the conflict will not achieve peace or provide security for the parties, the council:

1. Requests Israel to reconsider its policies and declare that a just peace is its strategic option as well.

2. Further calls upon Israel to affirm:

a. Full Israeli withdrawal from all the territories occupied since 1967, including the Syrian Golan Heights to the lines of June 4, 1967, as well as the remaining occupied Lebanese territories in the south of Lebanon.

b. Achievement of a just solution to the Palestinian refugee problem to be agreed upon in accordance with United Nations General Assembly Resolution 194.

c. The acceptance of the establishment of a sovereign, independent Palestinian state on the Palestinian territories occupied since the 4th of June, 1967, in the West Bank and Gaza Strip, with East Jerusalem as its capital.

3. Consequently, the Arab countries affirm the following:

a. Consider the Arab-Israeli conflict ended, and enter into a peace agreement with Israel, and provide security for all the states of the region.

b. Establish normal relations with Israel in the context of this comprehensive peace.

4. Assures the rejection of all forms of Palestinian patriation which conflict with the special circumstances of the Arab host countries.

5. Calls upon the government of Israel and all Israelis to accept this initiative in order to safeguard the prospects for peace and stop the further shedding of blood, enabling the Arab countries and Israel to live in peace and good neighborliness and provide future generations with security, stability and prosperity.

6. Invites the international community and all countries and organizations to support this initiative.

7. Requests the chairman of the summit to form a special committee composed of some of its concerned member states and the secretary general of the League of Arab States to pursue the necessary contacts to gain support for this initiative at all levels, particularly from the United Nations, the Security Council, the United States of America, the Russian Federation, the Muslim states and the European Union."

Texto completo

É importante notar como ela apenas reafirma planos e propostas bem antigos, onde o posicionamento israelense à questão é bem conhecido. Velhas negociações são fraseadas de forma diferente e no fundo ela não tem nada de revolucionário. Exigir uma solução para a questão dos refugiados baseando-se na resolução 194 sem reconhecer Israel como estado judaico é um eufemismo para o direito de retorno dos refugiados palestinos, algo inaceitável para Israel. Exigir a volta às fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias. é algo já claramente consolidado na política israelense como impraticável, considerado um suicídio por muitos, e mesmo que possível na prática seria um suicídio político para o responsável. Considerando ainda como a proposta foi apresentada como uma forma de ultimato, cabe fazer a pergunta: por que fazer uma proposta que sabiam claramente ser inaceitável e que seria recusada?

A questão é muito mais complicada do que parece e na verdade a proposta diz muito mais a respeito da situação do próprio mundo árabe do que de uma preocupação legítima com os refugiados palestinos. Segundo artigo de Akiva Eldar, do Haaretz, a iniciativa da proposta não veio da Arábia Saudita. Os primeiros esboços na verdade vieram da Jordânia, tendo sido inicialmente idealizada pelo Dr. Marwan Muashar, que foi o primeiro embaixador jordaniano em Israel e atualmente vice-presidente do Banco Mundial. A Jordânia tem uma preocupação legítima em estabelecer um estado palestino na Cisjordânia e Faixa de Gaza, já que acredita que a única alternativa que restará aos palestinos caso fiquem em terras divididas será buscar cidadana israelense ou jordaniana, e o país não está disposto a fazê-lo, segundo o próprio Dr. Muashar.

A intenção era conseguir que a proposta chegasse a Israel através dos EUA, mas sabendo da pouca influência do pequeno país, o Rei Abdullah da Jordânia propôs que tentasse fazê-lo através do Rei Abdullah da Arábia Saudita. Em agosto de 2001 os sauditas estavam mais ocupados em tentar convencer os EUA a condenar Israel, com o então príncipe Abdullah enviando um documento de 25 páginas ao presidente Bush protestando contra ações israelenses nos territórios palestinos e propondo que os EUA se abstivessem do seu poder de veto contra uma proposta de resolução do Conselho de Segurança condenando Israel. A situação foi resolvida "em família", com o ex-presidente George H.W. Bush, o pai, que é bem próximo à família real saudita, tentando controlar os ânimos.

Menos de um mês depois, a Arábia Saudita ficou em uma posição complicada quando 15 sauditas estavam entre aqueles que realizaram o atentado de 11 de setembro. Subitamente o país perdeu um pouco do chão em que se apoiava para criticar ações israelenses contra o terrorismo e passou a depender de estabelecer novas alianças. Em fevereiro de 2002 o então príncipe Abdullah convidou para um jantar o jornalista Thomas Friedman do "The New York Times", que propôs que na próxima cúpula os 22 membros da Liga Árabe deviam apresentar a Israel uma proposta de paz, envolvendo uma retirada total para as linhas de 4 de junho de 1967 em troca de uma normalização de relações com todos os países. O príncipe concordou dizendo que já tinha um discurso pronto, obviamente baseado na proposta jordaniana do Dr. Muashar que havia sido engavetada.

Nesse ponto surge o evento mais importante dessa novela. Thomas Friedman sugeriu que a idéia deveria ficar registrada oficialmente. No dia seguinte ele recebeu autorização para citar as palavras do príncipe no jornal, que foram bem recebidas nos EUA pelo presidente Bush e pelo primeiro-ministro Ariel Sharon em Israel. Este entrou em contato com o chefe de política exterior da União Européia, Javier Solana, e com o presidente egípcio, Hosni Mubarak, propondo uma reunião com os sauditas para discussão da proposta. Ariel Sharon propôs fazer um discurso perante a Liga Árabe estabelecendo as condições israelenses para um plano de paz, uma proposta que foi estranhamente recusada pelos outros membros.

Chegamos então à pergunta óbvia que esclarece o mito por trás da proposta: por que rejeitar a presença do primeiro ministro israelense, que ajudaria a estabelecer um plano de paz viável e não mais um monte de exigências extremas, para depois apresentar um plano que saberiam que Israel jamais aceitaria? Porque em 2002 a intenção do plano em momento algum foi buscar uma solução para o problema dos refugiados palestinos. Desde o início o objetivo da proposta foi buscar melhorar a imagem dos árabes em um mundo ainda em choque pelo 11 de setembro, e recriminar Israel por não aceitar uma proposta de paz onde não teve influência direta em uma palavra sequer do texto.

Ao ser apresentada ao mundo como algo revolucionário ela coloca os governos árabes como os pacifistas na questão. Para completar o quadro, ela chegou quase simultaneamente com o ataque terrorista ao Park Hotel em Netanya, que deixou 30 mortos e provocou uma violenta reação israelense, a Operação Escudo Defensivo. Isso fez com que acabasse ainda mais esquecida por Israel e reforçou as segundas intenções.

Em 2007 a proposta foi novamente aprovada, desta vez por todos os membros da Liga Árabe, exceto pela Líbia e com uma abstenção do representante do Hamas, o então primeiro-ministro Ismail Haniye, que considera a organização ainda atada aos "três nãos" da Conferência de Cartum, o não reconhecimento de Israel, a guerra perpétua contra o país, e a não aceitação de quaisquer propostas de negociação. Cabe mencionar que o representante da Autoridade Palestina mostrou-se intransigente em aceitar qualquer alteração no texto da proposta, deixando claro que não negociará com Israel, ou seja, insiste em que ela continue inaceitável para o país. Tanto esforço em manter uma proposta inaceitável perpetuamente inalterada e apresentada sob forma de um ultimato só se justifica se a real intenção por trás dela não é o que está escrito, mas o papel secundário que ela realiza.

Com a indisposição em negociar, nenhum progresso foi feito até hoje. Talvez o único benefício da proposta foi ter levado Israel a dialogar brevemente com alguns países membros que jamais tiveram qualquer razão para manter hostilidades contra o país a não ser o próprio fato de pertencerem à Liga Árabe.

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