sexta-feira, 23 de novembro de 2012

As falsas bases do pacifismo

Pacifismo Versus Paz


por Heitor De Paola em 11 de abril de 2003

Não sou pacifista porque considero que ser contra as guerras é como ser contra a lei da gravidade. A agressividade, a destrutividade e a violência fazem parte da condição humana e, da mesma forma que a lei da gravidade, pertencem à natureza. Ser contra as leis da natureza, aí incluídos os seres humanos e seus grupamentos, geralmente leva a resultados piores do que aqueles que se queria evitar. Tais leis não são prescritivas, mas meramente descritivas, nada podemos fazer além de as descrever e a elas nos adaptarmos o melhor possível.

Por exemplo, os liberais nada mais fizeram do que dar nome a algo do qual temos conhecimento desde que nascemos, ao descreverem a lei da oferta e da procura. Aí vieram os socialistas defensores de mudanças através da engenharia social e afirmaram que um mundo melhor era possível, onde não imperasse a tal lei que consideram como que a extensão da lei da selva. Conseguiram, realmente, revogar a lei: através da extinção da oferta. Só sobrou a procura, como se via em Moscou e ainda se vê em Havana. Toda intervenção estatal socialista para defender os mais fracos leva necessariamente à escassez. Bem, escassez para a maioria, abundância para a minoria dirigente.

O mesmo ocorre com os movimentos a favor da paz e contra a guerra. Geralmente conseguem resultados piores do que o apoio a algumas guerras que são necessárias para evitar males maiores. Como todo ser humano razoável, prefiro viver em paz, desde que isto não implique na minha destruição física e dos seres mais chegados a mim, na perda da minha liberdade ou da minha propriedade. Ao mesmo tempo, como integrante de uma coletividade mundial devo estar atento às ameaças que se fazem àqueles que, como eu, desejam viver em paz.

O mundo sempre viveu em guerra, é uma falácia de que hoje é pior que ontem ou que há séculos ou milênios. A história é predominantemente um relato das guerras do passado. Heródoto, considerado o Pai da História (de historía, palavra grega para busca, investigação, pesquisa), consagrou-se descrevendo a guerra entre Gregos e Persas, não por acaso o primeiro grande conflito entre Ocidente e Oriente. Seu contemporâneo - e não menos genial - Tucídides, com sua História da Guerra do Peloponeso. Já muito antes, nos primeiros relatos poéticos, Hesíodo cantava as guerras entre os Deuses (Teogonia) e Homero, a guerra de Tróia (Ilíada) e o turbulento retorno de Odisseu (Odisséia). O Mãhãbãrãtã é a narrativa de conflitos intermináveis entre Deuses. Júlio César firmou-se como escritor, além de general, com dois relatos de feitos bélicos, A Guerra da Gália e As Guerras Civis. Seria exaustivo e fora do escopo de um artigo fazer um levantamento histórico. Sugiro a leitura de Paz e Guerra entre as Nações, de Raymond Aron, um dos raros intelectuais franceses do século passado que escapou da mesmice marxista e, por isto mesmo, pouco conhecido nos nossos meios acadêmicos.

PACIFISMO E OS MOVIMENTOS PELA PAZ
Nosso adversário, que tem as armas
na mão e se cerca de forças consideráveis,
se cobre com a palavra de paz,
enquanto se entrega a atos de guerra

Demóstenes


O pacifismo é antigo. As palavras em epígrafe eram uma tentativa de advertir os atenienses para as ofensivas de paz de Felipe da Macedônia; em vão, pois uma mistura de ingênuos, ignorantes e agentes ativos os convenceu a não pegar em armas e foram invadidos. Já a idéia de um movimento pacifista organizado mundialmente é relativamente recente, remonta aos horrores da Primeira Guerra Mundial (1914-1919) e à era de ouro das ideologias utópicas. Antes da guerra, toda a intelectualidade européia era a favor do ataque aos boches, como eram chamados os alemães na época, e à sua “anticultura”. Lembrava-se ainda a Kulturkampf de Otto von Bismarck e a invasão da França em 1870. Como a guerra evoluiu para um impasse, a famosa “guerra de trincheiras”, e uma carnificina sem igual com o uso de gases, estréia dos blindados e da aviação militar, aos poucos foi se criando um ambiente hostil à própria guerra, que visava a paz a qualquer preço.

Some-se a isto a esperteza do Kaiser que, precisando desesperadamente, se livrar da frente oriental, fechou um acordo com Lênin, então exilado na Suíça, no qual forneceria transporte em trem selado de Zürich à Rússia, via território alemão, obtendo em contrapartida, a promessa de Lênin de fazer a paz logo que alcançasse o poder. O Império tzarista já estava se desfazendo, os bolchevistas tomaram o poder e imediatamente fechou-se a paz de Brest-Litovsky, que liberou tropas para a frente ocidental. O brado de “Paz agora” foi dado por Lênin, alegadamente porque dela precisava para re-organizar a Rússia, já então União Soviética. Só que, na verdade, Lênin precisava da paz externa para esmagar a imensa oposição interna à revolução bolchevique, trucidando todos os opositores, principalmente no campo.

E aí começou o imbróglio pacifista. Já na preparação para a Conferência Internacional de Genebra, em 1922, Lênin mandava seus representantes se esforçarem para aumentar o mais possível o fosso entre o campo pacifista da “burguesia” e seu setor “agressivo e reacionário” e também, “aprofundar as divisões entre os países burgueses que estão unidos contra nós”, apoiando todos que se mostrassem suscetíveis aos movimentos pacifistas. Deu tão certo, que até hoje a coisa funciona assim! A URSS se intitulava líder dos “povos amantes da paz”, enquanto invadia a Europa do Leste, esmagava as revoltas da Alemanha, da Hungria e da Tchecoslováquia, armava os movimentos guerrilheiros na África, Ásia e América Latina, municiava os Vietcongs. Tivemos a famosa détente dos anos 70 e 80 que aproveitou para invadir o Afeganistão. Enquanto isto hordas de ingênuos e idiotas saíam às ruas contra a instalação dos mísseis Pershing e Cruiser nas bases americanas na Europa. Inúmeros “atos públicos pela paz” eram realizados em Congressos dos “intelectuais” de todas as profissões. Lembro de um em 1985 que só eu e um amigo nos recusamos a assinar porque o único ato bélico que era citado era a instalação da Iniciativa de Defesa Estratégica (Star Wars) pelo Governo Reagan. A URSS já previa que não poderia competir e teria que entregar os pontos, o que fez 4 anos depois.

A estratégia destas “organizações pela paz” era, e ainda é simplíssima: coloca-se no primeiro plano, nos cargos honoríficos mais à vista, personalidades sabidamente não comunistas, movidas ingenuamente por reais sentimentos generosos, mas se reserva os cargos de poder efetivo, principalmente o de Secretário Geral, a membros do Partido Comunista. Se alguém os apontar é um escândalo: é claro que são comunistas mas estão ali lutando pela paz e não podemos dispensar nenhum apoio a esta causa justa!

A estrutura destas organizações de fachada, marchas e atos públicos, comunistas ou não, é constituída, portanto de: um núcleo dirigente oculto, ao qual pertence o Organizador aparente; um grupo de personalidades públicas “acima de quaisquer suspeitas” que serve de atrativo e ponto de aglutinação – geralmente pessoas de grande projeção mas ingênuas e com alto teor narcisista, podendo ser professores universitários, artistas de renome, etc.; ativistas que têm algum conhecimento do núcleo oculto, colocados de forma estratégica no meio social, principalmente na mídia, que servem para mobilizar as “massas”; e, finalmente, as massas: um bando de pessoas honestas e idealistas, mas extremamente ingênuas que acreditam estar contribuindo para uma causa nobre, pessoas que se deixam facilmente conduzir por palavras de ordem utópicas mas muito sedutoras, como tolerância, defesa dos fracos e oprimidos, autodeterminação dos povos, etc.

PACIFISMO E UTOPIA
Não é possível discutir racionalmente com
alguém que prefere matar-nos a ser
convencido pelos nossos argumentos.
(...) Não devemos aceitar sem qualificação
o princípio de tolerar os intolerantes senão
corremos o risco da destruição de nós
próprios e da própria atitude de tolerância

Karl R Popper


O pacifismo é sempre utópico por seduzir com um mundo de paz absoluta e permanente, onde não haverá guerras nem violência. No sentido mais estrito atribuído à palavra por Thomas Morus: u-topia, lugar nenhum! É claro que as “massas” alegam que sabem que isto é impossível, estão apenas se opondo às guerras, ao sacrifício de vidas inocentes, ao imperialismo belicista, à indústria de armamentos. Sem estes malvados um mundo melhor seria possível. É claro que tal mundo pressupõe a existência de uma Homem Novo, pacífico, sem impulsos agressivos “gerados” pela competição capitalista. Define-se, primeiro, um Estado Ideal como finalidade última e para atingi-lo, quaisquer meios são aceitáveis.

Mas serão pacíficos os pacifistas? Obviamente, não, basta assistir às manifestações, ouvir os discursos e as palavras de ordem, as bandeiras queimadas, as imagens pisoteadas e, freqüentemente, os conflitos armados que nascem delas. O que é mobilizado não é o amor ao próximo, a compaixão pelo sofrimento dos atingidos pela guerra. É o ódio ao mundo como ele é, sempre foi e sempre será se os pacifistas ganharem. As chances de tornar nosso mundo melhor, de verdade, estão na verdadeira paz, que não pressupõe a ausência de guerras, mas uma atitude realista e racional, não utópica, em relação aos negócios humanos.

As democracias necessitam de paz, as tiranias de pacifismo. Não há nenhum paradoxo nesta frase, pois paz e pacifismo são duas coisas absolutamente antagônicas! O pacifismo só interessa aos tiranos para poderem matar e torturar seus povos à vontade e com calma. Enquanto as democracias hesitam, para não desencadear a guerra, os tiranos se locupletam. A hesitação democrática é exatamente porque a elas a paz interessa para o pleno desenvolvimento de seus potenciais. E os tiranos se valem disto financiando e estimulando “movimentos pela paz”, isto é, movimentos que os deixem em paz!

Os exemplos são inúmeros. Além da URSS, Hitler soube se valer muito bem deste expediente. Enquanto os pacifistas ululavam a Alemanha se re-armava e traía todos os Tratados por ela assinados. Na guerra do Vietnam os movimentos, que incluíam shows musicais que mais pareciam encontros selvagens regados a drogas das mais pesadas, conseguiram paralisar o Congresso americano que hesitou tanto em autorizar uma declaração de guerra formal ao Vietnã do Norte, o que permitiria o bombardeio e invasão de Hanói, que levou o mais poderoso exército do mundo a recuar humilhantemente.

A guerra do Iraque, ainda em andamento, é o último exemplo, onde um ditador fanfarrão conseguiu paralisar o mundo todo durante onze anos sem possuir poder real nenhum como ficou demonstrado pela facilidade com que foi derrubado. Mas o pacifismo, se vencesse, lhe daria tempo para se armar e aí atacar, e tal como em 1939, quantas vidas seriam perdidas numa longa e sofrida guerra? Até o vigésimo segundo dia de operações tinha havido 1.252 baixas civis, segundo o então governo iraquiano, certamente interessado em incrementar este número. Um quarto do que pereceram no atentado às Tôrres Gêmeas do WTC, sendo que as últimas eram pessoas que não foram previamente avisadas, foram mortas covardemente, sem que nenhum estado de guerra as avisasse que corriam perigo.

Como fazer para ter paz sem pacifismo? Substituindo o utopismo pelo realismo e seguindo à risca as palavras de Popper em epígrafe: não tolerar os intolerantes, não aceitar que tiranos e seus defensores estejam dispostos a debater seriamente e se deixar convencer a mudar de rumo, compreender desapaixonadamente o verdadeiro caráter das ditaduras, não mais as tomando como interlocutores confiáveis. Substituir a doutrina militar imperante nas democracias, de só fazer a guerra quando previamente atacadas (defensive war), pela doutrina que prevê, também, a necessidade de guerras preventivas (preemptive war), como agora Bush e sua equipe fizeram. Independente de existirem ou não gases tóxicos, armas biológicas ou nucleares, etc., foram seriamente atingidas as Armas de Destruição Maciça mais efetivas de todas: as armas psicológicas com que os ditadores chantageiam um mundo inteiro! Por isto não acredito em mecanismos supranacionais tipo ONU e seu famigerado Conselho de Segurança, onde democracias e ditaduras convivem igualitariamente.

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